Divididos pela ótica
1.
Tudo começou quando olhava lá de baixo
encontrei verdes e cores sem fumaça
perguntei-me como seria a cidade vista daquele ponto alto
quando subi me surpreendi com aquela graça
Lá em cima parecia um lugar de moradia e abraço
olhares preocupados e vozes que fazem praça
a vista para o baixo era repleta de concreto e de mormaço
como um local de trabalho mas não o suficiente para se ter uma casa
Depois de refletir percebi o que tanto me deixava grato
não só a vista mas também a humildade em massa
então me questionei sobre como era feito um tal questionário
os de baixo refletem sobre os de cima ou só os veem como ameaça?
2.
Na rotina de meu trabalho eu sempre subo e desço
sendo assim meu questionário permanece
lá em baixo a maioria finge que não vê e eu entristeço
lá de cima não se tem escapatória e isso ainda me entristece
Lá da praia os arranha-céus escondem a todo preço
parece até proposital quando anoitece
é na noite que aquelas luzes refletem o cansaço em excesso
é mais fácil não saber quando um concreto os aquece
Na cidade ambos os lados se encontram em tropeço
um dá o sorriso falso enquanto o outro nem se atreve
ambos sabem onde o outro mora e é por isso que não esqueço
que de baixo a vista é melhor mas é lá em cima que a vida acontece
3.
Ninguém chora e não há tristeza dizia Cartola sem desmereço
quem nasce lá em cima conhece as ruas quando anoitece
pois aquele mal do cotidiano de baixo só lhe pede um único preço
amargurar num devaneio de esquinas com apenas um líquido que não padece
Estar lá em cima me lembra de meu passado reconheço
distante do mar e próximo de qualquer cenário de faroeste
pequenas ruas para grandes automóveis em ladeiras sem freio
no descer não olham para trás mas no subir não olhar é um grande teste
Todos podem ver a distância do progresso em excesso
nem todos admiram mas concluo ser de fato algo que os aquece
movidos pela insegurança de um novo dia de trabalho incerto
pois pouco lá a prefeitura chega e quando chega é aí que começa o estresse.
4.
Os morros são interligados por lajotas, pessoas e fios de aço
Ora! Nada que a molecada não conheça e usufrua até umas horas!
Times de várzea que descem para jogar em campos que possua espaço
As culturas vão nascendo, morrendo e sobrevivendo, assim como fauna e flora.
Essa é realidade desse belo Brasil brasileiro
De mecanismos sociais que na paisagem criam uma incógnita
Estamos realmente no mesmo barco dividindo o remo?
Ou continuamos admirando apenas o mar, esquecendo que estamos divididos pela ótica?!
Escrito em 2018 e revisado em 2023.
Notas:
Quando comecei a trabalhar em Santos SP fazendo entregas, rodava por praticamente toda a cidade. Ao refletir sobre a paisagem local: De um lado os morros, de outro, os prédios e o mar; É aí que me inspirei a escrever esse poema "divididos pela ótica".
Desde que comecei a escreve-lo e até hoje, fico em dúvida sobre o título, o certo é realmente "divididos", ou será, "separados"?
Ambas as imagens são do autor, Santos, 2018.